Fala Comigo

Você anda triste, quieto e nervoso, e não fala comigo. Isso me irrita e dá câncer. Odeio me dar conta que no final somos felizes apenas em fotografias. Que nossos sorrisos em conjunto cabem muito bem no colorido e luminoso do papel. Nas brigas recorrentes, sorrisos só de ironia e sarcasmo, sorrisos que se calam depois de portas batidas. Eu não perco por me angustiar, você brinca com minha aflição. Quanto tempo demora pra esfriar uma cabeça? A minha congelou e você nem desceu as escadas. Eu ligo, mas este telefone está impossibilitado de receber chamadas. Ou não atende por pirraça.

Isso de viver intensamente, à flor da pele, usando contra mim os espinhos que deviam me proteger, já me rendeu lágrimas e dores de cabeça. Eu vivo como se cada dia ao seu lado fosse o último, meu medo é um dia acertar. Volta correndo pra cá, não aprendi a esperar. Você me dá certezas, mas sempre me deixa com vagas promessas. Parece que foi, mas talvez possa voltar. Mas não responde. Parece até saber que fico assustadoramente feliz com esse melodrama de ser uma mulher incessantemente triste.

Aí você me liga mais tarde e diz sentir falta minha. E que agora devo estar andando de lado a lado, agoniada, em busca de sinal. E revirando fotografias. Eu odeio fotografias e sua intuição barata. Você acha que sabe tudo sobre meus gestos e segredos e isso me deixa claustrofóbica justamente por ser verdade. Parece assim que você me fez. Então eu me faço. Fria e indiferente, numa crueldade que só uma mulher machucada é capaz. Mas você me olha e me enxerga e isso me apavora. É por isso que tento esconder no telefone minha vontade de passar 50 dias inteiros por semana contigo, nervoso, fitando o nada, tanto faz.

E mesmo com o coração cheio de nós, não dou o braço a torcer. Minha infelicidade vem de tempos, depois da sua aparição, ela só ficou mais sorridente. Abro a porta e grudo os olhos num filme dublado ou na janela aberta, pra fazer um "quê" de que o mundo lá fora tem argumentos melhores que os seus. Porque tudo me importa mais que sua voz convincente. E não me toca enquanto fala, ou meus poros e pelos me passam pra trás e assim meu jogo não vai pra frente. Vai falando, digo daqui se tá ou quente ou tá frio.

Não me resta dúvida, comigo você tem uma dívida. Não importa quantas vezes me fez rir e gemer no escuro do edredom, olha na minha cara de "vivo-feliz-com-ou-sem-você" e me diz se já não é hora de desafogar minhas pendências femininas, te contar de cada ofego, cada medo, cada lamúrio meu, tudo mentira, só pra ver se você tá mesmo atento. Sua impaciência te deixa mais burro que a porta que se fecha. Você diz que sou feito uma pedra no caminho do nosso acordo, mas só se for um daqueles montinhos de açúcar que empedram com o tempo e logo derretem no calor da boca.

É claro que aceito beijos e desculpas, minha desconversa é um mecanismo pra separar os babacas dos frouxos dos escrotos. E eu até estranho você ser um moço tão bacana, que só anda nervoso, achando que vai dar tudo errado em algum plano que não sei qual é. Pode ficar, eu deixo, mas só se você pegar no tranco e falar. Não sou sua mãe, mas pode chorar um pouco se quiser. É até bem bonitinho. Me deixa provar que também sei ouvir, pra depois a gente decidir onde comer e tudo seguir dando certo.

- Gabito Nunes

Comentários

  1. "Você anda triste, quieto e nervoso, e não fala comigo"
    Gabito é incrível

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  2. Ah, Gabito Nunes... sempre perfeito.

    Ah, Dila Mota minha amiga que eu amo e já faz parte da minha vida!!

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